Conforme estabelecido nas regras da Berlinda, o
nome do(a) autor(a) da obra só será exibido se a mesma figurar entre as três
melhores colocadas no conjunto de dez participantes do exercício. |
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OBRAS JÁ
BERLINDADAS E RESPECTIVAS NOTAS: AUTOCENSURA (7,43) |
Notas |
COMENTÁRIOS |
NOTA MÉDIA: 7,16 |
10 |
Sei. De quem é esta prosa? Sei. É anônima. Sei. Se não fosse o timidamente, já que um boi no matadouro não é tímido, sente a morte e grita forte, eu daria 9,5. Sei. Tá me gozando? Não, doutor, mas retire um Gullar, este eu não
engulo. Sei. Sabe, doutor? Por quê? Sei, não vai querer me dizer... Tá me gozando? Sei que nada sei, então nada sei. E, quem sabe? Não sei. Como eu pouco sei, ou nada sei... Sei. Esqueço o timidamente e dou um 10. |
VEIA
POÉTICA Ele entrou no consultório como um boi entra no matadouro, timidamente,
a voz meio fraca, cumprimentou o sisudo médico que, sem olhar para ele, fazia
anotações numa caderneta. — Bom dia, doutor. — Bom dia, entre. Ficou em pé, no meio da sala, sem saber o que fazer. Foi nesse
instante que o médico levantou a cabeça, parecendo notar sua débil presença,
parada feito estátua. — Por favor, sente-se. — Obrigado, doutor. — O que o traz aqui? — Bem, doutor, ando com uns esquecimentos, de vez em quando me dá um
branco, fico sem saber o que dizer ou escrever. — Sei. E quando isso acontece? — Acontece mais à tardinha, doutor, depois do expediente. — E quando começou? — Dizer assim, o momento certo, não sei não, mas deve ser de uns dois
ou três meses pra cá. — Sei. Tem algum vício? — Não, doutor. — Fuma? — Não, doutor. — Bebe? — Só nas sextas-feiras, depois do expediente e socialmente, apesar de
que, às vezes ultrapasso o limite, mas não a ponto de substituir a bebida
pela água, deus me livre, doutor, ainda não cheguei a esse extremo, conheço
um cara que troca a água pela cerveja, nunca vi ele tomar água, a minha prima
só toma coca, não toma água, não, acho que não sou viciado em bebida, doutor. — Sei. Vamos examinar a sua pressão. Ela é boa? — Não sei não, doutor, nunca me preocupei com isso. — Sei. Mas deveria. Tira a roupa e deite-se aqui. — Tirar a roupa? — Sei. Sim, tira. Desajeitado, tirou tudo. Nunca tinha ficado nu na frente de outro
homem, era a primeira vez. — Sei. Deite-se de barriga para cima. Ele ajeitou-se na cama. — Sei. Fique normal como se estivesse na sua cama, na sua casa, não
precisa ter medo. — Sei. — Tá gozando da minha cara? — Sei... não, não, desculpe-me, doutor, foi sem querer. — Sei. A batida do coração está normal. A pressão também. ... — Sei. Deixe-me ver as pontas dos seus dedos. Ele esticou o braço e abriu a mão. — Sei. As duas, por favor. Abriu a outra mão. — Sei. Digita muito? — Um pouco, doutor. — Sei. Tem notado alguma coisa quando digita? — Depois de um certo tempo as pontas dos dedos começam a adormecer e
sobe uma dor pelo braço. — Sei. Já sei o que é. — Sabe, doutor? — Sei. Sei sim. — E o que é, doutor? — Sei. É a sua veia poética que não está funcionando bem. — Sei, veia poética? — Sei. Tá me gozando, é? — Não sei... quer dizer, não, doutor. — Sei. Você precisa de uma transfusão. — De sangue? — Sei. De letras. — Letras, doutor? — Sei. Pode vestir-se. Sim, de letras. Ou talvez, de palavras. Letras
o senhor já tem bastante, e fraco como está, não conseguirá juntar muitas. — Isso dói, doutor? — Sei. Não dói, acho que não dói, nunca precisei desse tipo de
transfusão. — Sei, doutor. — Sei. Tá me gozando de novo? — Sei... não sei... quer dizer, não, doutor, claro que não. — Sei. Vou passar também uma receita leve para o senhor. — O que eu preciso fazer, doutor? — Sei. Praticamente não terá que fazer nada. Vou receitar para o
senhor: Tolstoi, Dostoievski (isso para começar); depois, Faulkner, Henry
James (assim que terminar com os russos); em seguida, Clarice Lispector,
Guimarães Rosa, Graciliano Ramos... e não esqueça os poetas, de preferência,
todos, mas o melhor é Drummond, Gullar também, e os atuais, aí o senhor vai
ter que procurar, pois é difícil achá-los, ficam escondidos, não aparecem nos
rádios, nem nas tevês. Ah, não esqueça Hilda Hilst! — E quando deverei ingerir tudo isso, doutor? — Sei. Depois da transfusão de palavras. Com a transfusão, e seguindo
rigorosamente a prescrição de leitura, você estará em forma novamente por
mais uns 70 anos. Quantos anos o senhor tem? — 57, doutor. — Sei. Com isso o senhor viverá mais de 100 anos. — E onde tenho que fazer a transfusão, doutor? — Sei. Ah! o senhor tem também Veia Bailarina? — Veia bailarina?! — Sei. Do Ignácio de Loyola Brandão. — Não tenho não, doutor. — Sei. Estava me esquecendo, Ignácio de Loyola Brandão é atual, não
pode deixá-lo de lado, vou escrever aqui, ao pé da receita. — Sei, doutor. — Sei. Tá me gozando?! — Não... claro que não, doutor. — Sei. Então passe bem, e vê se cuida dessa sua veia poética. — Sei... Oh! desculpe, doutor, e obrigado. — Sei. Ao sair, feche a porta. |
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6 |
No início a leitura estava prazerosa, mas com o
decorrer ficou um tanto cansativa e o fechamento frustou um pouco a
perspectiva, mas a idéia é boa. |
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10 |
Sem nenhuma condescendência, minha nota é dez.
Porque? _O assunto cresce em leveza, num quase lírico
sarcasmo.Uma beleza.E depois, a transfusão é só de autores que
adoro.Parabéns. |
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8 |
Gostei muito. Um incentivo a leitura, um reconhecimento dos
grandes escritores e poetas internacionais e nacionais mostrando a
importância da leitura e tentando incentivar a leitura. Só achei um pouco longon e às vezes não
percebemos se a voz é do médico ou do paciente. |
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7 |
Gostei muito, no início eu estava estranhando o
diálogo sem pé nem cabeça do "doutor", mas depois entendi o
porque... é que ele não faz uso da receita que ele prescreve. |
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2 |
Esse excesso de "sei", que transformou
a leitura num suplício, deve ter alguma razão, que não consegui captar. Pra
piorar, em determinado trecho dos diálogos, não se consegue identificar o
interlocutor. Enfim, não precisava cansar o leitor com tanto
"sei" pra lá, "sei" pra cá, pra dizer que quem quer
escrever bem deve ler muito. |