quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Comentários

 

Conforme estabelecido nas regras da Berlinda, o nome do(a) autor(a) da obra só será exibido se a mesma figurar entre as três melhores colocadas no conjunto de dez participantes do exercício.

 

OBRAS JÁ BERLINDADAS E RESPECTIVAS NOTAS:

ENCANTAÇÃO (6,36)

 

AUTOCENSURA (7,43)

VEIA POÉTICA

 

Notas

COMENTÁRIOS

NOTA MÉDIA: 7,16

10

Sei. De quem é esta prosa?

Sei. É anônima.

Sei. Se não fosse o timidamente,

já que um boi no matadouro não é tímido,

sente a morte e grita forte, eu daria 9,5.

Sei. Tá me gozando?

Não, doutor, mas retire um Gullar, este eu não engulo.

Sei.

Sabe, doutor? Por quê?

Sei, não vai querer me dizer...

Tá me gozando?

Sei que nada sei, então nada sei.

E, quem sabe?

Não sei.

Como eu pouco sei, ou nada sei...

Sei. Esqueço o timidamente e dou um 10.

 

VEIA POÉTICA

 

Ele entrou no consultório como um boi entra no matadouro, timidamente, a voz meio fraca, cumprimentou o sisudo médico que, sem olhar para ele, fazia anotações numa caderneta.

— Bom dia, doutor.

— Bom dia, entre.

Ficou em pé, no meio da sala, sem saber o que fazer. Foi nesse instante que o médico levantou a cabeça, parecendo notar sua débil presença, parada feito estátua.

— Por favor, sente-se.

— Obrigado, doutor.

— O que o traz aqui?

— Bem, doutor, ando com uns esquecimentos, de vez em quando me dá um branco, fico sem saber o que dizer ou escrever.

— Sei. E quando isso acontece?

— Acontece mais à tardinha, doutor, depois do expediente.

— E quando começou?

— Dizer assim, o momento certo, não sei não, mas deve ser de uns dois ou três meses pra cá.

— Sei. Tem algum vício?

— Não, doutor.

— Fuma?

— Não, doutor.

— Bebe?

— Só nas sextas-feiras, depois do expediente e socialmente, apesar de que, às vezes ultrapasso o limite, mas não a ponto de substituir a bebida pela água, deus me livre, doutor, ainda não cheguei a esse extremo, conheço um cara que troca a água pela cerveja, nunca vi ele tomar água, a minha prima só toma coca, não toma água, não, acho que não sou viciado em bebida, doutor.

— Sei. Vamos examinar a sua pressão. Ela é boa?

— Não sei não, doutor, nunca me preocupei com isso.

— Sei. Mas deveria. Tira a roupa e deite-se aqui.

— Tirar a roupa?

— Sei. Sim, tira.

Desajeitado, tirou tudo. Nunca tinha ficado nu na frente de outro homem, era a primeira vez.

— Sei. Deite-se de barriga para cima.

Ele ajeitou-se na cama.

— Sei. Fique normal como se estivesse na sua cama, na sua casa, não precisa ter medo.

— Sei.

— Tá gozando da minha cara?

— Sei... não, não, desculpe-me, doutor, foi sem querer.

— Sei. A batida do coração está normal. A pressão também.

...

— Sei. Deixe-me ver as pontas dos seus dedos.

Ele esticou o braço e abriu a mão.

— Sei. As duas, por favor.

Abriu a outra mão.

— Sei. Digita muito?

— Um pouco, doutor.

— Sei. Tem notado alguma coisa quando digita?

— Depois de um certo tempo as pontas dos dedos começam a adormecer e sobe uma dor pelo braço.

— Sei. Já sei o que é.

— Sabe, doutor?

— Sei. Sei sim.

— E o que é, doutor?

— Sei. É a sua veia poética que não está funcionando bem.

— Sei, veia poética?

— Sei. Tá me gozando, é?

— Não sei... quer dizer, não, doutor.

— Sei. Você precisa de uma transfusão.

— De sangue?

— Sei. De letras.

— Letras, doutor?

— Sei. Pode vestir-se. Sim, de letras. Ou talvez, de palavras. Letras o senhor já tem bastante, e fraco como está, não conseguirá juntar muitas.

— Isso dói, doutor?

— Sei. Não dói, acho que não dói, nunca precisei desse tipo de transfusão.

— Sei, doutor.

— Sei. Tá me gozando de novo?

— Sei... não sei... quer dizer, não, doutor, claro que não.

— Sei. Vou passar também uma receita leve para o senhor.

— O que eu preciso fazer, doutor?

— Sei. Praticamente não terá que fazer nada. Vou receitar para o senhor: Tolstoi, Dostoievski (isso para começar); depois, Faulkner, Henry James (assim que terminar com os russos); em seguida, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos... e não esqueça os poetas, de preferência, todos, mas o melhor é Drummond, Gullar também, e os atuais, aí o senhor vai ter que procurar, pois é difícil achá-los, ficam escondidos, não aparecem nos rádios, nem nas tevês. Ah, não esqueça Hilda Hilst!

— E quando deverei ingerir tudo isso, doutor?

— Sei. Depois da transfusão de palavras. Com a transfusão, e seguindo rigorosamente a prescrição de leitura, você estará em forma novamente por mais uns 70 anos. Quantos anos o senhor tem?

— 57, doutor.

— Sei. Com isso o senhor viverá mais de 100 anos.

— E onde tenho que fazer a transfusão, doutor?

— Sei. Ah! o senhor tem também Veia Bailarina?

— Veia bailarina?!

— Sei. Do Ignácio de Loyola Brandão.

— Não tenho não, doutor.

— Sei. Estava me esquecendo, Ignácio de Loyola Brandão é atual, não pode deixá-lo de lado, vou escrever aqui, ao pé da receita.

— Sei, doutor.

— Sei. Tá me gozando?!

— Não... claro que não, doutor.

— Sei. Então passe bem, e vê se cuida dessa sua veia poética.

— Sei... Oh! desculpe, doutor, e obrigado.

— Sei. Ao sair, feche a porta.

6

No início a leitura estava prazerosa, mas com o decorrer ficou um tanto cansativa e o fechamento frustou um pouco a perspectiva, mas a idéia é boa.

10

Sem nenhuma condescendência, minha nota é dez. Porque?

_O assunto cresce em leveza, num quase lírico sarcasmo.Uma beleza.E depois, a transfusão é só de autores que adoro.Parabéns.

8

Gostei muito.

Um incentivo a leitura, um reconhecimento dos grandes escritores e poetas internacionais e nacionais mostrando a importância da leitura e tentando incentivar a leitura.

Só achei um pouco longon e às vezes não percebemos se a voz é do médico ou do paciente.

7

Gostei muito, no início eu estava estranhando o diálogo sem pé nem cabeça do "doutor", mas depois entendi o porque... é que ele não faz uso da receita que ele prescreve.

2

Esse excesso de "sei", que transformou a leitura num suplício, deve ter alguma razão, que não consegui captar. Pra piorar, em determinado trecho dos diálogos, não se consegue identificar o interlocutor.

Enfim, não precisava cansar o leitor com tanto "sei" pra lá, "sei" pra cá, pra dizer que quem quer escrever bem deve ler muito.